Biblioteca

Artigos

Possibilidades dos Negócios Processuais
26/10/2016

Em muitas situações, os autos dos processos judiciais se aproximam de campos de batalhas, onde as armas são os argumentos afiados e os soldados são os advogados engajados em defender com avidez os interesses de seus clientes. Esse é o quadro desenhado classicamente pelos profissionais do Direito e que persiste culturalmente até o presente.

 

Ainda assim, o Código de Processo Civil de 1973, perceptivelmente desincentivava o caráter belicoso da prática jurídica em prol de posturas com foco na ética processsual, notadamente fortalecida pelo princípio da lealdade e pelos atos conciliatórios, realizados a qualquer momento do processo e incentivados pela legislação e tribunais pátrios. Com o advento do Novo Código de Processo Civil de 2015, tal postura foi sintetizada no pelo termo “cooperação”.

 

Entende-se a cooperação como o espírito de parceria em que as partes e o Juízo deverão construir o processo de maneira unida e clara, participando ativamente e objetivando a obtenção da paz social. 

 

Dos vários institutos existentes que incorporam o princípio da cooperação, merece ser comentado o art. 190 que comanda que, em versando o processo sobre direitos que permitam a autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

 

A despeito de tais poderes concedidos pelo novo código, certo que os limites do negócio processual devem ser conhecidos. Em tempos de Constituição presente no processo de entendimento do direito, as garantias processuais mínimas garantidas pela CF/88 devem ser respeitadas, bem como os institutos processuais infraconstitucionais que dela derivem.

 

Neste ponto, o parágrafo único do art. 190 do Novo Código de Processo Civil/2015 é claro na determinação de que caberá ao magistrado a validação das convenções previstas recusando o que for nulo e afastando o que for inserido abusivamente em contratos de adesão. Fica claro que o processo permanece com sua natureza de matéria pública, não sendo possível, por exemplo, que as partes acordem o julgamento por juiz incompetente ou mesmo a novação por meio de figuras recursais não existentes no sistema legal, entre outros casos.

 

Todavia, fora situações que interfiram em direitos fundamentais, é perfeitamente possível às partes alinhavar extenso número de alternativas processuais que dão ao processo civil ordinário ares de arbitragem, método reconhecidamente eficaz e utilizado, principalmente, em contratos empresariais e com alto valor envolvido.

 

A liberdade que é garantida às partes para definição de procedimentos, permite modular o processo judicial aos moldes arbitrais, permitindo sua utilização em processos com menor repercussão econômica, facilitando o acesso a novas ferramentas procedimentais para a condução dos feitos judiciais.

 

Objetivamente, dentre as várias possibilidades vislumbradas aos atores processuais, algumas seguem listadas:


1. A simplificação do procedimento e a definição das regras processuais permite que sejam estipuladas contratualmente ônus probatório a ser obedecido por cada parte em caso de judicialização da relação material posta. Exemplo prático pode ser vislumbrado na definição de que documentos devem ser apresentados para a demanda em julgamento ou mesmo na imposição da realização de perícia judicial para casos que necessitem de tal artifício probatório.


  2. A definição contratual para que prazos recursais sejam maiores que os previstos legalmente, não havendo limitação legal para sua dilatação, o que pode ser positivo em casos de empresas com grande número de processos.

    

    3. Ainda possível a chamada calendarização, em que são definidas datas em comum acordo por Juiz e partes para a realização dos atos processuais possibilitando maior celeridade na resolução de conflitos, fazendo com que haja ao final recebimento em tempo adequado pelo credor e diminuição dos custos em juros e correção monetária pelo devedor.

 

As possibilidades citadas são algumas em meio infindável número de situações para utilização do estudado artigo de lei. Restará à prática da advocacia empresarial a definição das melhores oportunidades para o uso do artigo o que surgirá da análise de oportunidades de cada empresa em seus campos de atividade e do formato de relacionamento das empresas com clientes e outras pessoas jurídicas.

 

Deste modo, o art. 190 do Novo CPC é colocado à disposição das empresas como alternativa para resolução modulada de conflitos. Tanto feitos que envolvam maior complexidade técnica ou volume financeiro quanto processos em massa são excelentes candidatos para a fuga possibilitada pelo legislador, bastando que o ajuste dos termos seja realizado pelos operadores do direito por meio de contratos não abusivos, de acordo com a natureza dos casos tratados.


Carlos Murilo Laredo Souza

Advogado