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Linhas gerais sobre o Usucapião Administrativo Extrajudicial
30/03/2016

No último dia 18/03/2016 entrou em vigor a Lei 13.105/2015, o Novo Código de Processo Civil, que reformou e inovou em diversos pontos as normas jurídicas atinentes aos procedimentos e regras do rito dos processos judiciais aplicáveis às relações de natureza cíveis, bem como aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, quando da ausência de normas específicas que os regulem, aplicando-lhes de forma supletiva e subsidiária.

 

Dentre outras, uma das reformas e invocações mais significativas é a previsão da Ata Notarial de Usucapião Extrajudicial, ou seja, a criação do instituto do usucapião administrativo extrajudicial, fora da Justiça, em cartório de notas.

 

Importante, de início, se esclarecer que o usucapião é uma forma de aquisição da propriedade de determinado imóvel através do exercício, sem interrupções, de sua posse por tempo considerável, expressamente estabelecido em lei, dependendo do caso específico e demais requisitos, podendo variar de 5 a 15 anos.

 

Até a entrada em vigor do novo CPC, esta comprovação, processamento, reunião de provas e documentos que comprovavam a existência de todos os requisitos era feita necessariamente pela via Judicial, mediante ação específica para tal, com extenso e burocrático procedimento judicial em que, por exemplo, se exigia a cientificação de todos os entes, bem como de todos os confinantes do imóvel e ainda, por edital, os réus ausentes, incertos, desconhecidos e de eventuais interessados.

 

Apenas para este procedimento de cientificação das partes e sujeitos exigidos pela lei, eram necessários diversos meses e, por vezes, o simples manifestação imotivada de interesse de algum dos Entes, por exemplo, era suficiente à se determinar o deslocamento da competência para julgamento do processo do juízo cível para um especializado da fazenda ou mesmo para a Justiça Federal, no caso de interesse da União, reconhecidamente menos céleres e com mais demandas, acarretando igualmente grande atraso no desenrolar do processo.

 

O longo prazo de duração desse tipo de processo era uma marca inafastável, consensual e característica dele.

 

Foi então que o novo Código de Processo Cível, em seu artigo 1.071, alterou o Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), incluindo, neste, o artigo 216-A.

 

Criou-se então a possibilidade de se admitir, sem prejuízo da via jurisdicional, o pedido de reconhecimento extrajudicial do usucapião, este sendo processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, devendo para tanto, necessariamente, estar a parte representada por advogado ou um defensor público.

 

Para tanto, o pedido deve ser fundamentado, acompanhado de certos documentos:

 

i. uma ata notarial lavrada por tabelião de notas – não necessariamente àquele que está processando o usucapião –, atestando o tempo de posse do requerente do usucapião, podendo-se considerar, para tanto, o tempo de posse de seus antecessores, a depender do caso específico;

 

ii. a planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, bem com assinado pelos confinantes e titulares de eventuais direitos reais sobre o imóvel usucapiendo, por exemplo, direito de passagem, servidão etc;

 

iii. certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

 

iv. facultativamente, justo título, ou seja, quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, por exemplo, o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

 

Recebida a petição, devidamente instruída, o Oficial de registro procederá à prenotação no livro de protocolo e a autuará.

 

Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos confinantes ou dos titulares de eventuais direitos reais sobre o imóvel usucapiendo, esse será notificado pelo oficial do registro, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

 

Ou seja, se o confinante ou titular de direitos reais não se manifestar expressamente, não se presume sua anuência. Esta previsão é inclusive diversa da existente na retificação extrajudicial, em que o silêncio do confinante notificado implica concordância tácita, de acordo com a Lei de Registros Públicos, artigo 213, parágrafo 5º.

 

O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido. Da mesma forma que promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar no mesmo prazo de 15 (quinze) dias.

 

Ademais disso, a nova legislação faculta ao Oficial, para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis, inclusive, com possibilidade de realização de diligências in loco no imóvel usucapiendo.

 

Após transcorridos todos os prazos acima, inclusive o de 15 dias para manifestação de quaisquer interessados, achando-se em ordem a documentação, ou seja, inclusive com inclusão da concordância expressa dos confinantes e titulares de eventuais direitos reais sobre o imóvel usucapiendo, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

 

De outro lado, ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido. Rejeitado o pedido, nada impede que interessado recorra à via judicial, ajuizando uma ação de usucapião.

 

Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos confinantes e titulares de eventuais direitos reais sobre o imóvel usucapiendo, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento judicial comum.

 

Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, igualmente prevista na Lei de Registros Públicos.

 

Toda e qualquer inovação legislativa, inevitavelmente, enfrenta e enfrentará desafios na sua implementação, mormente no presente caso, onde se criou um instituto totalmente novo, sendo certo, na nossa visão, afora as inafastáveis condutas temerárias, o instituto é capaz de contribuir com uma alternativa célere e menos burocrática ao usucapião consensual buscado.


Advogado