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GOLPE À PARAGUAIA - EM PROL DE UMA MENOR INTERVENÇÃO ESTATAL COMO INCENTIVO À ATRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE INVESTIMENTOS
17/02/2016

Crise Econômica e Soluções Jurídicas | num. 80/2016 | Jan / 2016

DTR2016145

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Germano Costa Andrade

Andrade GC Advogados e ALAE - Aliança de Advocacia Empresarial

 

Armando Dias dos Santos Júnior

Andrade GC Advogados e ALAE - Aliança de Advocacia Empresarial

 

Luiz Felipe Ozores

Andrade GC Advogados e ALAE - Aliança de Advocacia Empresarial

 

Área do Direito: Comercial/Empresarial

 

Sumário:  

 

 

 

 "Os Estados socialistas nada mais fizeram do que restaurar a ordem centralizada do Império, matando qualquer elemento de confiança que pudesse ser a semente da prosperidade dos seus povos. Da mesma forma, o Brasil e, de resto, a América Latina, parecem estar ainda vivendo a Contrarreforma e o ideal mercantilista. Pior, alguns já querem implantar de um golpe a ordem imperial socialista. Como, então, prosperar? O desenvolvimento não pode ser construído fora da ordem liberal, que é sinônimo de livre iniciativa e da relação de confiança. É essa a lição ensinada por Peyrefitte e nós lamentavelmente ainda não a aprendemos."1

Começam a ser consolidados os dados econômicos do ano de 2015. Para os que já vinham acompanhando a construção do problema desde anos anteriores, não houve surpresa. A tragédia era anunciada aos quatro ventos.

O cenário nacional, no entanto, revelou-se mais preocupante do que aquele que inicialmente se desenhava. E na Zona Franca de Manaus, foco prioritário de nossa atuação profissional, os números foram ainda mais arrasadores.

Os investimentos produtivos realizados pelas indústrias do Polo Industrial de Manaus, até novembro de 2015, não haviam alcançado 75% do volume do ano anterior. Fechamos, no período de 12 meses até novembro do mesmo ano, mais de 20% dos postos de trabalho no mesmo segmento. Importamos pouco. Exportamos menos ainda. Produto dessa queda em nossa principal atividade econômica, os números do comércio e da construção civil despencaram. São altos os estoques de unidades imobiliários para venda e locação - fruto do "milagre intervencionista" de anos recentes - e estima-se que as maiores incorporadoras com atuação local tenham desfeito quase metade de seus contratos de venda no ano de 2015, espelhando, em maior grau, a derrocada nacional deste setor.

Nada obstante, em terras vizinhas, antes desprezadas ou mesmo injuriadas, o movimento é diametralmente contrário. Adotando o ideário da intervenção mínima e estabelecendo novos marcos jurídico-legais para a regulação das atividades econômicas, com normas tributárias e trabalhistas de fácil compreensão e cumprimento, floresce... o Paraguai.

Pudemos tomar conhecimento das razões que levaram a esse resultado, e que estamos a chamar, com misto de respeito e inveja, de "Golpe à Paraguaia"2, por ocasião da 1ª Missão Técnica realizada entre a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) e a Zona Franca Global do Paraguai, a que estivemos presentes, na condição de convidados, em Ciudad del Este, no Paraguai, em outubro de 2015.3

As notáveis diferenças principiam, no campo tributário, pela menor carga da região, representativa de apenas 12% do Produto Interno Bruto. Uma das menores do mundo, cerca de 1/3 da brasileira.

Aliado a isso, vem a simplicidade do sistema, cujas premissas são facilmente transmissíveis a advogados e aos próprios empresários em poucas horas. Cruza-se a fronteira e podemos deixar de lado todo um labirinto de normas destinado à regulação da exigência de tributos como PIS, COFINS, ICMS, concentrando-se a maior parte da arrecadação no tão sonhado imposto sobre valor agregado, de apenas 10%.

E não para aí. Imposto de renda comercial? Dez por cento. Imposto de renda para a pessoa física? Dez por cento. O Estado Paraguaio contenta-se em arrecadar, para custeio de sua existência, valor que no Brasil costuma perder-se na burocracia sem propósito ou, mais grave e lamentavelmente, na corrupção.

Por sua vez, a chamada Lei de Investimentos garante aos investidores a completa desoneração das seguintes operações: importação de bens de capital; valor agregado sobre bens de capital, sejam eles adquiridos dentro ou fora do Paraguai; remessas de capital, juros e comissões para o exterior; pagamento de dividendos e utilidades ao exterior (essas duas últimas hipóteses condicionadas ao investimento mínimo de cinco milhões de dólares).

Em complemento ao cenário de incentivo, a Lei de Maquila prevê a incidência de um único imposto para as operações de que trata. Em resumo, permite a importação de bens de capital, insumos e matérias primas, para beneficiamento no Paraguai, com suspensão total de impostos, tributando apenas a saída do produto final, necessariamente destinado à exportação (admitida a venda no mercado nacional de até 10% da produção do ano antecedente). Qual a carga tributária total incidente? Um por cento!

No fantástico trabalho Paying Taxes 2016, levado a efeito pelo Banco Mundial, já em sua décima edição, o massacre ganha contornos ainda mais flagrantes. Enquanto o Brasil figura na última posição entre 178 países, demandando 2.600 horas anuais de trabalho para o cumprimento das tarefas administrativas envolvidas no recolhimento de impostos e na comprovação de regularidade fiscal de uma empresa de médio porte, o Paraguai demanda apenas 378 horas.

Nas relações trabalhistas, o cenário não difere. Conquanto garanta aos trabalhadores direitos mínimos, o sistema em nada se assemelha ao paternalismo arraigado em nossa cultura e transmite o princípio fundamental de que as interações entre empregado e empregador precisam ser baseadas na mútua confiança.

O fenômeno da terceirização, mundialmente consolidado, mas que no Brasil permanece em clima de insegurança jurídica, sujeito a flutuações do entendimento jurisprudencial, é tratado com pormenores na legislação paraguaia, que o abraça por completo.

Os encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamentos são 1/3 inferiores aos brasileiros (37% contra 25% em média) e ao revés de 34 previsões de direitos e garantias dos trabalhadores brasileiros, só em sede constitucional, lida o empreendedor com cerca de 14 direitos e garantias equivalentes em solo vizinho.

Mas o que deve fazer o profissional de advocacia empresarial diante deste cenário? Dentro do departamento jurídico ou mesmo na assessoria externa - hoje cada vez mais próxima dos clientes, até em função crise que forçou a redução dos quadros permanentes - deve-se apenas aguardar pelas mudanças, ainda imprevisíveis, do cenário interno, nutrindo o sentimento cada vez maior de inveja pelo vizinho?

De forma alguma! A hora é de ampliar os horizontes.

Se durante algum tempo fomos protagonistas da América Latina, ao atrair para o mercado interno a atenção e os investimentos, o momento revela agora a oportunidade de atuarmos, advogados e empresários, no caminho inverso, levando o capital intelectual, social e econômico de que dispomos a quem melhor os recompense.

Não pode haver dúvida que o empresário e o advogado brasileiros, acostumados ao ambiente de hostilidade ao capitalismo que ao longo dos anos aprofundou-se no País - prova viva disso são a complexidade e a subjetividade crescente das normas tributárias e ambientais (de que aqui não tratamos em razão do curto espaço), claramente destinadas a propiciar oportunidades de favorecimento a amigos do Poder e punição aos seus inimigos - ao se deparar com o manejo de estruturas tão mais simplificadas como as que acima foram expostas haverão de acreditar, não sem alguma razão, que encontraram o Oceano Azul.

Pediram-nos um texto prático e objetivo sobre as repercussões da grave crise econômica nacional no campo jurídico empresarial. Dada a nossa experiência profissional de mais de duas décadas com o sistema da Zona Franca de Manaus, que, por sua vez, já se prolonga por meio século, e o recente contato com sistema embrionário equivalente em país vizinho, a comparação nos pareceu a melhor forma de analisar não apenas as consequências, mas também as causas dessa crise, cujo fundo é inegavelmente cultural. É crise de identidade.

Invocando o autor francês citado no introito, indicamos nossa preferência por uma sociedade em que o papel do Estado seja drasticamente menor, em que a base das relações negociais possa ser pautada em mais confiança e menor policiamento:

"A sociedade de desconfiança é uma sociedade temerosa, ganha-perde: uma sociedade na qual a vida em comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo; sociedade propícia à luta de classes, ao mal viver nacional e internacional, à inveja social, ao fechamento, à agressividade da vigilância mútua. A sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, ganha-ganha; sociedade de solidariedade, de projeto comum, de abertura, de intercâmbio, de comunicação".4

E, enquanto a construção dessa sociedade não é permitida por aqui, persistindo a crença de que a atividade empresarial merece vigilância ao ponto do estrangulamento - sendo visível, por outro lado, que essa mesma complexidade jurídico-normativa serve a conferir diferencial competitivo permanente às megacorporações cujas relações promíscuas com o Estado as caracterizam - é papel profissional nosso, de advogado, apontar ao cliente empreendedor as melhores alternativas para o momento, estejam onde estiverem.


1 CORDEIRO, Nivaldo José. Discutindo o Capitalismo.   

2 Em referência a uma das muitas desastradas manifestações de nossa representante maior.

3 ALAE - Aliança de Advocacia Empresarial. http://alae.org.br/site/news/72

4 PEYREFITTE, Alain. A Sociedade de Confiança, Topbooks, RJ, 1999.