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Direito Público | Do Crime de Frustração de Caráter Competitivo Segundo a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – 14.133/2021
02/09/2021

Um dos princípios de maior importância na ordem econômica brasileira é a preservação da livre concorrência (Art. 170, IV da Constituição Federal). Do compromisso de proteger este princípio deriva o esforço legislativo em prevenir e punir práticas anticoncorrenciais que podem ser concretizadas pela Administração Pública e por particulares em processos de licitação.

 

Por consequência, o Legislador cuidou de trazer inovações à Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (n.º 14.133/2021), que recentemente entrou em vigor. Das novidades, merece especial destaque o acréscimo feito pela norma ao Código Penal, em seu Art. 337-F, que fixou de forma definitiva o crime de frustração de caráter competitivo em licitação.

 

A lei conceitua o delito como o ato de frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente de adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório.

 

A redação, apesar de muito similar ao Art. 90 da antiga Lei de Licitações (8.666/93), traz algumas novidades. Primeiramente, vê-se que o novo mandamento suprimiu a condição antiga de que a conduta era tipificada apenas quando praticada “mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente” entre os licitantes. Ou seja, se antes era necessária a coparticipação de outros licitantes para configuração do crime, agora a conduta poderá ser imputada apenas a um concorrente, sem que outros tenham concorrido para o prejuízo do caráter competitivo.

 

Ainda, em face da reforma, o delito teve sua pena majorada – a pena de dois a quatro anos de detenção foi ampliada para quatro a oito anos, além de multa.

 

Os termos da nova lei também contemplam o recente entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 645, que dispõe: “O delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 é formal, bastando para se consumar a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente de demonstração de recebimento de vantagem indevida pelo agente e comprovação de dano ao erário”. Ou seja, a simples prática de atos tendentes à frustração do caráter competitivo da licitação, mesmo que nenhum prejuízo aos cofres públicos seja suportado, já configura ato ilícito. Sequer é necessário que a parte autora da conduta ilícita venha a vencer o processo licitatório. A proteção recai sobre o processo licitatório em si, portanto, a parte que tentou frustrar o caráter competitivo da licitação responde pelo crime mesmo caso venha a perder o certame.

 

Apesar das inovações, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos não indicou com clareza quais são práticas anticompetitivas que podem violar a lisura do processo licitatório. No silêncio da lei, é possível adotar as disposições trazidas pela Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (n.º 12.529/2011). São as práticas anticompetitivas, entre outras (Art. 36):

 

                    Atos que objetivem limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência e iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição de domínio;

                    Acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrentes os preços de bens ou serviços;

                    Produzir ou comercializar quantidade restrita ou limitada de bens ou prestar serviços de forma limitada em número, volume ou frequência;

                    Acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrentes os preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

                    Promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

                    Utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

Vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo

Ao agente público fica vedado praticar qualquer dos atos previstos no Art. 9º da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. A seguir:

 

                    Admitir, prever, incluir ou tolerar situações que comprometam o caráter competitivo; estabeleçam preferencias ou distinções entre os licitantes em razão de sua naturalidade, sede ou domicílio; sejam irrelevantes para o objeto do contrato;

                    Dar tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras;

                    Opor resistência injustificada ao andamento dos processos, retardar ou deixar de praticar ato de ofício ou de forma contrária ao que manda a lei;

 

Ao todo, vê-se que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos avança na proteção da competitividade, tanto nos procedimentos da Administração quanto entre os concorrentes. Isto porque foram introduzidas ao ordenamento jurídico restrições ainda na etapa de planejamento e cláusulas de editais com direcionamento. Ainda, a fixação de pena mais rígida protege a ampla concorrência e a lisura dos processos licitatórios, garantindo que interesses e influências específicos não violem a legalidade do processo.




Marcelo Carvalho da Silva Mayo

Contencioso Cível Especializado
OAB/AM 14.300