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Cível | STJ - Cumprimento de oferta por venda online é obrigatória, mesmo que esgotado o estoque
24/03/2021

Em recente Acórdão proferido nos autos do Recurso Especial 1.872.048-RS, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que o consumidor pode exigir o cumprimento forçado da venda, mesmo que o produto não esteja disponível em estoque. A decisão se baseou no Art. 35, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.

 

No processo em questão, a consumidora havia adquirido um produto em loja online, e realizou o pagamento a vista. Contudo, entre o pagamento e processamento da venda, o estoque do produto se esgotou, de forma que a empresa de e-commerce não conseguiu cumprir com o prazo de entrega, ensejando o ajuizamento do processo.

 

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, decidiu que o negócio realizado com o consumidor deve ser preservado, não podendo ser desfeito por mera falta de estoque do vendedor. Argumentou que o Art. 35 do Código de Defesa do Consumidor oferece ao comprador a prerrogativa de optar, alternativamente e a sua livre escolha, pelo cumprimento força da obrigação, aceitar outro produto de igual valor/qualidade, ou por sua própria vontade rescindir o contrato, com direito a restituição da integralidade do valor pago.

 

Significa dizer que não pode o vendedor estornar o valor da compra e desfazer a venda unilateralmente por falta de estoque. O consumidor precisa fazer a escolha, entre um rol de opções que a lei lhe oportuniza. E caso decida o consumidor em não desistir da compra ou substituir o produto escolhido por outro de igual preço/qualidade, o vendedor se verá obrigado a cumprir a venda original no prazo originalmente contratado, sob pena de incorrer em ilicitude indenizável.

 

A Relatora ressalvou ao vendedor a hipótese de fim de fabricação do produto, ocasião em que seria permanentemente impossível que o estoque do produto fosse reposto. Somente neste cenário poderá o vendedor desfazer a venda, não restando obrigado a cumprir a entrega do produto. Contudo, a decisão não impede que o vendedor venha a ser responsabilizado por eventuais danos morais pela venda de produto não mais fabricado.

 

A decisão é particularmente preocupante pois foi proferida durante a pandemia da COVID-19, momento em que as vendas online atingiram pico e representaram, para muitas empresas, a única forma de subsistência pela impossibilidade de vendas presenciais. Vê-se também que o posicionamento da Ministra não considerou as inúmeras particularidades do e-commerce, sobretudo o lapso temporal entre a contagem de estoque e a atualização do website de vendas, que certamente não se iguala a vendas realizadas de forma presencial, com estoque físico e de menor quantidade em cada loja.

 

Também não se considera que, em muitas ocasiões, os sites de venda sequer são administrados pela própria empresa/varejista. Em muitos casos, empresas terceirizam a manutenção e administração do website, ou mesmo do estoque, mantendo-o em armazéns controlados por subcontratados. Esta dinâmica descentralizada certamente atrasa a chegada da informação do fim do estoque ao site e, por consequência, ao consumidor.

 

De toda sorte, com base na decisão em questão, caberá às empresas de e-commerce garantir a reposição de estoque sempre com margem de segurança, evitando o esgotamento. Ou, alternativamente, disponibilizar ao consumidor um canal de fácil comunicação para oportunizar as alternativas trazidas pela Lei, seja substituição do produto por outro de igual preço/qualidade ou estorno da compra por opção própria.



Marcelo Carvalho da Silva Mayo

Contencioso Cível Especializado
OAB/AM 14.300