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Covid-19 | Cível | A Lei Municipal nº 2.635, de 08 de julho de 2020, entre a ilegalidade e a desnecessidade
09/07/2020

O Poder Executivo Municipal sancionou a Lei nº 2.635, de 08 de julho de 2020. De acordo com a nova legislação, estão suspensos os prazos de “garantia, troca, devolução ou reembolso decorrentes da aquisição de produtos ou serviços” no Município de Manaus, enquanto durar o estado de calamidade pública, que foi estabelecido pelo Decreto nº 4.787, de 23 de março de 2020.

 

De acordo com a Lei Municipal, a regra vale, inclusive, para as prorrogações da situação de “estado de calamidade pública”. E o artigo 2º da legislação dispõe que a validade da norma se dá independente do meio de compra, se “dentro ou fora do estabelecimento comercial, por telefone, em domicílio ou por via eletrônica”. O texto ainda será devidamente regulamentado por Decreto do Poder Executivo.

 

A Lei Municipal vai na contramão do bom senso. Em 06 de julho, o Estado do Amazonas deu início à quarta fase de reabertura das atividades empresariais e comerciais. Desde então é certo dizer que, com os protocolos de segurança exigidos, a sociedade manauara recupera a sua rotina, inclusive quanto ao consumo de bens.

 

Sob esse aspecto, o consumidor já está apto para ir a estabelecimentos, adquirir bens ou, dentro do prazo legalmente previsto, exigir o exercício da garantia, o direito de arrependimento, de troca ou reembolso. Idem quanto ao comércio eletrônico, pois as unidades de coleta e transporte estão em pleno funcionamento, inclusive por conta da essencialidade do serviço.

 

ALém de desnecessária, pode ser bastante prejudicial ao comércio manauara. Com os prazos “estendidos indefinidamente”, o lojista é colocado em permanente incerteza. Além disso, caso tenha acordos com seus fornecedores sobre reembolsos e/ou compensações em casos de garantia, troca ou reembolso, esses também estarão prejudicados por conta da legislação.

 

Em momento no qual a sociedade emprega esforço conjunto em favor da retomada, da atividade, dos empregos e da renda, o Município de Manaus vai na contramão. E, para piorar a situação, aprova Lei Municipal manifestadamente ilegal, em desrespeito à Constituição e ao Código do Consumidor.

 

A Constituição Federal, em seu terceiro título, nomeado “Da Organização do Estado”, define de maneira individualizada, a dinâmica de competências legislativas dos Entes Federativos. Tal modelo de organização é necessário para que se evite a sobreposição de normas antagônicas no mesmo sistema, evitando insegurança jurídica às partes, no caso empresas e consumidores.

 

Levando em consideração a preocupação de coerência da legislação, a Constituição comanda que a competência para legislar sobre direito do consumidor será da União, Estados e Distrito Federal, concorrentemente. O artigo 24, VIII, CF, não permite interpretação diferenciada:

 

  Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

 

A jurisprudência uníssona do Supremo Tribunal Federal já chancelou o entendimento posto, como, é possível verificar em vários julgados análogos e recentes[1].

 

Avaliando ainda a Lei Consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 55, de mesma maneira, compreende que a competência legislativa deve ser repartida pelos mesmos entes previstos na Constituição Federal:

 

Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.

 

Permitir que cada município pudesse legislar sobre direito do consumidor, seus prazos, obrigações e nuances, ocasionaria verdadeiro pandemônio legal.

 

A única conclusão que se permite da análise da legislação posta é a de que, além de ilegal ante a análise acurada da Constituição Federal e da própria legislação consumerista, prejudica indevidamente setor já avassalado pela crise, de forma absolutamente contraproducente, o que não pode ser aceito.

 




Calos Murilo Laredo

Contencioso Cível Especializado
OAB/AM 7.356

 

 



Carlos Renner Cardoso Bentes Costa
Advogado | Contencioso Tributário
OAB/AM 15.651



 

 

 



[1] RE-AgR 590.015, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 29/5/2009; RE-AgR 883.165, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 03/09/2019; RE-AgR 1.173.617, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 23.4.2019; RE-AgR 961.034, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 13.2.2019