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Covid-19 | Cível | A resolução 458/2020 – ausência de dever de custeio pelos planos de exames de pesquisa de anticorpos IgA, IgG ou IgM30/06/2020
Foi publicada hoje (29/06/2020) a
Resolução Normativa nº 458 de 2020[1]
que inclui no rol de procedimentos custeados pelos planos de saúde os exames
para detecção do SARS-CoV-2 (Coronavírus COVID-19) - Pesquisa de anticorpos
IgA, IgG ou IgM (com diretriz de utilização).
A presente inclusão no rol, de
exame mais complexo, é fruto da ação 0810140-15.2020.4.05.8300 interposta pela Associação
de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps) para a
inserção do teste específico que consta na Resolução nº 458/2020. O dispositivo
da decisão trás o seguinte texto:
“(...)
11. DEFIRO o pedido de tutela provisória para que a parte ANS seja compelida A
INCLUIR e REGULAMENTAR COMO COBERTURA OBRIGATÓRIA AREALIZAÇÃO DE EXAMES
SOROLÓGICOS DE IGM E IGG PARA O COVID-19, MEDIANTE REQUISIÇÃO MÉDICA FÍSICA OU
ELETRÔNICA, INCLUINDO O REFERIDO EXAME EM SEU ROL DE PROCEDIMENTOS, TENDO EM
VISTA O DIREITO DOS USUÁRIOS DE PLANO DE SAÚDE A TER ACESSO AO DIAGNÓSTICO DE
SOROLOGIA PARA O CORONAVÍRUS - COVID-19 (...)”
Desde o início de março de 2020,
os planos de saúde já haviam entrado em ajuste com a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) para custeio de exames menos complexos de detecção do
COVID-19, como o Pesquisa por RT-PCR, teste laboratorial considerado padrão
ouro para a confirmação da patologia. Todavia, agora os planos são obrigados à
realização de exames para IGM e IGG que detectam se o usuário já foi portador
da patologia e se já desenvolveu anticorpos contra a doença, de natureza mais
complexa que o anteriormente existente (RT-PCR).
Importante que se perceba que,
assim como o anteriormente previsto, os exames devem preceder de solicitação
por profissional vinculado ao plano de saúde que irá testar a pertinência do
teste de acordo com os exames apresentados, orientação dada pela própria ANS
anteriormente, nos termos da Resolução 453/2020[2].
Avaliando a legislação técnica
existente, é possível perceber que o COVID-19 já havia sido tema de discussões
e inserções no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Saúde Suplementar,
com o exame RT-PCR, não havendo que se falar em ausência de cobertura para a
detecção da patologia. De tal modo que a argumentação utilizada pela ASSOCIACAO
DE DEFESA DOS USUARIOS S P S DE SAUDE tangencia tal fato, buscando a realização
de testagem indiscriminada para identificação dos imunizados.
Segue trecho da síntese contida
na decisão de tutela de urgência do processo nº 0810140-15.2020.4.05.8300:
“(...)
b) com a permissão da abertura gradual das atividades do cotidiano, faz-se
necessário identificar os que já foram infectados e curados, ou seja, os que
são considerados fora do risco de infecção aguda, que são os IGG positivos, e
os que estão com a doença na forma aguda com alto risco de contaminar os
outros, na regra de um para três, 1/3, os que são IGM positivo. Essa
identificação é essencial para que a vida continue. (...) d) assim, far-se-á
uma triagem necessária para que haja mais segurança entre infectados,
portadores sintomáticos, ou não, e os não infectados, ou seja, os ainda
susceptíveis e os já imunizados.(...)”
Percebe-se que a intenção da
Associação Autora é a testagem populacional para retorno às atividades normais,
fugindo ao escopo da atuação do plano de saúde, qual seja, o tratamento e a
proteção da saúde de seus segurados, levando em consideração a patologia
existente, nos termos do art. 1º, I, da Lei 9.656/98[3].
Como mencionado em artigo de
nossa lavra[4], a
submissão dos planos ao regramento existente busca uniformizar a prestação de
serviços e garantir a manutenção das operações empresariais que ampara os
planos de saúde existentes, com base na análise econômica do direito. A
jurisprudência ampara tal entendimento[5],
indicando que é necessário o respeito ao Rol de Procedimento estabelecido como
forma de manutenção da segurança de operação das empresas que lidam no mercado
de saúde suplementar.
Considerado que a inclusão de
exame de maior complexidade tem o intuito explícito de testagem populacional, o
desequilíbrio às contas das entidades de saúde privada é efeito prático que não
poderá ser afastado. Segundo dados da ANS, o número de usuários de planos de
saúde remonta a 47,2 milhões[6].
Se todos esses usuários buscarem a testagem tão somente para saber se foram
acometidos ou não da patologia, os custos serão internalizados, prejudicando a
prestação de serviço de maneira geral, a depender da operadora de saúde.
Assim sendo, diante de todos os
dados postos, conclui-se que não é função dos planos de saúde participar de
pesquisa populacional para verificação de imunização de rebanho[7]
em pandemia de escala global, sem qualquer tipo de reparação econômica, pois
não é essa sua missão social legalmente indicada.
Dada a relevância do tema, é
necessário acompanhar o prosseguimento do feito 0810140-15.2020.4.05.8300 para conhecimento
de sua evolução. Levando em consideração que a decisão tem por fundamento a
tutela de urgência, o contexto apresentado pode ser alterado em segundo grau.
Contencioso Cível Especializado |
[2]RESOLUÇÃO
NORMATIVA - RN Nº 453, DE 12 DE MARÇO DE 2020 - Art. 3º O Anexo II da RN nº
428, de 2017, passa a vigorar acrescido dos itens, SARS-CoV-2 (CORONAVÍRUS
COVID-19) - PESQUISA POR RT-PCR cobertura obrigatória quando o paciente se
enquadrar na definição de caso suspeito ou provável de doença pelo Coronavírus
2019 (COVID-19) definido pelo Ministério da Saúde, conforme Anexo II desta
Resolução.
[3]
- Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou
cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por
prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a
assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por
profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não
de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica,
hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por
conta e ordem do consumidor;
[5] http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Quarta-Turma--lista-de-procedimentos-obrigatorios-da-ANS-nao-e-apenas-exemplificativa.aspx