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Ilegalidades e inconstitucionalidades da Portaria MDR nº 3.114/19 e seus impactos nas indústrias da SUDAM e SUDENE
21/03/2020

O funcionamento do benefício de IRPJ para as empresas atuantes nas áreas de SUDAM e SUDENE é relativamente bem conhecido e, há muitos anos, não sofre alterações sensíveis, já fazendo parte do operacional das indústrias. Exatamente por isso, porém, o golpe desferido no fim de 2019 teve máxima contundência.

 

Num ingrato presente de Natal, o Ministério do Desenvolvimento Regional, em publicação circulada no DOU de 26/12/19, estabeleceu a Portaria nº 3.114/19, trazendo, ao arrepio não apenas de preceitos legais e constitucionais como, também, do próprio bom senso por parte do Poder Público federal, restrições absolutamente indevidas ao aproveitamento dos incentivos de IRPJ para as empresas localizadas nas áreas abrangidas por SUDAM e SUDENE.

 

Se antes as empresas conheciam bem o roteiro, agora se viram, verdadeiramente, confiscadas e tolhidas de seus direitos. Isso porque a citada portaria, para todos os efeitos, promoveu um esvaziamento do incentivo de IRPJ, determinando a conversão em renda da União dos valores depositados pelas empresas em relação à parte do IRPJ de 2019 e, ainda, devolvendo aos contribuintes parcelas de recursos próprios[1], o que, na prática, torna inviável a utilização dos valores para reinvestimento pelas empresas incentivadas.

 

O efeito mais contundente da citada portaria se justifica exatamente na forma pela qual o benefício do IRPJ, na prática, é operado: primeiro, as empresas realizam o depósito de 30% (trinta por cento) dos valores apurados a título do IRPJ sobre o lucro da exploração, acrescido de 50% de recursos próprios (das empresas) junto às instituições financeiras regionais (Banco da Amazônia – BASA – e Banco do Nordeste – BNB), e, numa etapa seguinte, submetem (as empresas) projetos técnico-econômicos de reinvestimento à SUDAM e à SUDENE, as quais são responsáveis por análise do pleito. A aprovação dos projetos torna possível às empresas o uso dos valores depositados perante BASA e BNB para que apliquem os recursos nas ampliações ou melhorias das atividades que executam.

 

Na prática, portanto, os valores que estavam ainda depositados em relação ao IRPJ do ano-calendário 2019 foram, efetivamente, confiscados pelo Poder Público, argumentando-se, nas bases que motivaram a Portaria nº 3.114/19, teses que sequer guardam mérito com normas tributárias ou mesmo orçamentárias – afinal sequer é possível defender que a citada portaria é englobada pela estrutura orçamentária e de arrecadação da União, pois centralizada no Ministério da Economia.

 

Também se pode dizer que a portaria em questão ultrapassa quaisquer limites imagináveis do que lhe seria competente determinar do ponto de vista de técnica normativa, pois gera efeitos nefastos mesmo a empresas de setores econômicos que gozam de tratamento legal como “prioritários para desenvolvimento regional”. Ou seja: a portaria limita, ilegalmente, a aplicação dos termos de lei.

 

Por fim, é necessário ponderar que se trata de uma norma que age, claramente, com efeitos retroativos, absolutamente imediatos e contrários ao que se pode definir como um regime de direito adquirido das empresas atuantes nas áreas da SUDAM e SUDENE. É que, na medida em que se determinou a entrada em vigor na data de sua publicação de forma a gerar os efeitos ao benefício de IRPJ oneroso, de prazo determinado e apurado mesmo antes de sua concepção (atingindo o ano-calendário 2019), os contribuintes estão a testemunhar completo desrespeito a diversos princípios em matéria tributária – tudo isso em prol de interesses transversos do Poder Público.

 

É bom lembrar, no mais, que a modalidade do incentivo do IRPJ encontra guarida em proteções adicionais na legislação brasileira, por se tratar de benefício com prazo determinado de vigência e a necessidade de as empresas preencherem condições predeterminadas (daí ser um benefício oneroso).


Todos esses indícios revelam que devem as empresas se posicionar, o quanto antes, para combater os desrespeitos contidos na Portaria nº 3.114/19. Trata-se de medida abusiva, contrária aos próprios objetivos dos regimes especiais das regiões Norte e Nordeste do País (pois calcados na determinação do art. 3º, III, qual seja o objetivo fundamental de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades regionais e sociais), e que deve ser combatida por todos aqueles afetados.



[1] De forma absolutamente abusiva, assim estão redigidos os arts. 1º e 2º da citada Portaria:

 

“ Art. 1º Ficam os respectivos bancos operadores e as Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e do Nordeste (Sudene), autorizados a promover a devolução dos valores relativos aos depósitos para reinvestimento de 30% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica a que se refere o art. 19 da Lei n. 8.167, de 16 de janeiro de 1991, relativos ao ano-base de 2019, e o arquivamento dos respectivos projetos.

 

Art. 2º Os depósitos de que trata o art. 1º deverão ser revertidos em favor da União pelos bancos operadores até 31 de dezembro de 2019, excluídas as parcelas de recursos próprios, corrigidos na forma estabelecida pela legislação de regência da matéria.”


Victor Bastos da Costa
Advogado | Estratégico Tributário
OAB/AM 11.123