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Efeitos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ao Varejo04/03/2020
A dinâmica do mercado tem conduzido empresas
varejistas a investir em ferramentas para manter suas táticas operacionais
atrativas e lucrativas no mundo digital. Em meio a rápida evolução tecnológica,
a informação pessoal de cada potencial comprador tornou-se commodity, tomando
lugar de destaque e alto valor para manutenção da competitividade e promoção da
publicidade personalizada.
Consequentemente, inúmeros têm sido os
esforços de várias frentes, ao redor do mundo, para proteger o direito à
privacidade e dados sensíveis, sobretudo após reiterados escândalos envolvendo
empresas internacionais de publicidade e consultoria, mais notoriamente
Facebook e Cambridge Analytica.
No Brasil, a cautela pela proteção de
informações pessoais se manifestou no meio legislativo, culminando na Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais (nº 13.709/2018), compilada em sessenta e cinco
artigos que fixam diretrizes ao armazenamento e controle de informações
pessoais coletados em meio virtual e definem práticas que passam a configurar
ato ilícito. A referida lei também promoveu mudanças no Marco Civil da
internet.
Pela relevância da lei à contínua prática de
vendas online, veiculação de publicidade personalizada e mineração de dados de
potenciais compradores, é aconselhável que as empresas varejistas observem o
novo ordenamento para, em caráter preventivo, garantir que suas operações sejam
lícitas e compatíveis.
Para tanto, é preciso observar os principais
pontos da nova lei. Uma das mais relevantes inovações é, em verdade, a
ampliação do conceito de “dado pessoal”. Para fins de classificação daquilo que
é de caráter pessoal, deve-se entender como qualquer informação que possua
qualidade de ser cogitada como um prolongamento da pessoa ali identificada ou
passível de assim ser. Por exemplo, nome, idade, endereço físico ou de e-mail,
dados de GPS, perfil de compra, número de IP, histórico de compras, perfil comportamental
e demais dados de mesma natureza.
Quanto aos perfis de compra e comportamental,
o legislador tratou de dar máxima proteção, definindo-os como “dados
sensíveis”, eis que destes é possível extrair posicionamento religioso,
político, de saúde ou sexual de cada potencial comprador. Tais informações
poderiam, em tese, viabilizar a veiculação de propagandas mais invasivas,
exatamente o que tenta evitar o legislador.
Para o varejista, qualquer atividade que
envolva, mesmo remotamente, o tratamento de dados pessoais, deverá observar
princípios de finalidade; adequação; necessidade; livre acesso; qualidade dos
dados; transparência; segurança; prevenção; não discriminação;
responsabilização e prestação de contas.
Assim, as atividades que envolvam tratamento
de dados pessoais deverá ter propósito especifico e legítimo, explicito e
claros ao titular dos dados (finalidade), limitados ao mínimo necessário para
atingir o objetivo comercial desejado (adequação), com pleno e claro acesso
àquilo que é coletado, por quanto tempo e por quais meios (livre acesso,
qualidade dos dados, transparência). Deve-se garantir, também, que os dados
estejam fortemente protegidos à acesso de terceiros (segurança), com medidas
preventivas para evitar problemas de proteção e sigilo (prevenção). Os dados
coletados não podem em qualquer hipótese serem utilizados para fins
segregativos, discriminatório, ilícito ou abusivo (não discriminação).
Por fim, o coletor de dados deve sempre
demonstrar de forma eficaz e clara a observância de todos os princípios e
cumprimento das normas (responsabilização e prestação de contas).
Estes princípios produzem efeitos nos mais
variados campos operacionais da prática comercial de varejo.
No campo trabalhista, por exemplo, a assunção
dos riscos da atividade econômica desenvolvida permite que o empregador se
utilize de mecanismos de monitoramento de atividades de computadores para
estudar produtividade, gerir riscos e investigar fraudes. De igual forma, é
costumeiro que se utilize sistemas de vigilância interna para fins de controle
e investigação. Com o advento da nova legislação, tais imagens e informações
passam a ser abraçadas como dados pessoas.
Contudo, é possível que as relações
trabalhistas possam ser reapreciadas sob o uma nova ótica após a entrada em
vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, afetando principalmente o limite
tolerável do uso de tais dados para fins organizacionais sem configurar abuso
moral. De igual forma, nos processos seletivos para contratação de
funcionários, é necessário ter cautela no momento da consultoria de risco
(background check), sobretudo para evitar que informações pessoais específicas
e sensíveis sejam levadas em conta, como fator decisivo, para tomada de
decisões.
Já na área cível e consumerista, com a
ampliação da personalidade, intimidade e privacidade do consumidor, é devido
ter cada vez mais cuidado com a mineração e armazenamento de dados,
principalmente em razão das responsabilidades trazidas pela violação de tais
direitos pela nova lei.
Assim, o desafio colocado aos varejistas é de
legitimar a coleta e tratamento de dados pessoais sem colocar em risco o modelo
do negócio ou obstruir a inovação e competitividade, tão essenciais para o
desenvolvimento e enriquecimento das empresas na era digital.
Os bancos de dados de formas de pagamento,
perfis de compra, interesses pessoais e demais informações devem ser tratados
em observância ao princípio da segurança e prevenção, com medidas ativas para
evitar a ocorrência de vazamentos ou usos indevidos de dados coletados, mesmo
que com permissão do titular.
A palavra-chave passa a ser “consentimento”.
Todas as atividades que envolvem tratamento de dados pessoais devem ser clara e
expressamente discriminadas ao proprietário destas para consenti-las sem
dúvidas de como serão usados seus dados. Por este motivo, empresas de maior
porte já passaram a modificar seus contratos de “Termos e Condições”
operacionais, apresentando logo na primeira página um resumo dos principais
termos e concessões em linguagem de fácil compreensão. Evita-se assim que o
usuário seja obrigado a ler extensos contratos.
Estas mesmas empresas passaram também a
utilizar em seus websites botões de aceite ao contrato de Termos e Condições
que somente aparecem após a leitura da íntegra do documento, como forma de
garantir que o usuário final tenha conhecimento de tudo que ali pactuado.
Obviamente, em todo caso, o descumprimento
destas normas e a inobservância dos princípios listados pela nova lei poderá
trazer consequências ao varejista que detém os dados. E as circunstâncias que
podem ser consideradas ilegais são as mais diversas, desde vazamento de
informações e acesso indevido à banco de dados até a sensação subjetiva de cada
pessoa em sentir sua privacidade violada por terceiros.
Mesmo que os dados sejam coletados por
empresas terceirizadas, como é na maioria dos casos, os varejistas não desviam
da responsabilidade na proteção das informações pessoais, sob pena de responder
por eventuais danos e violações.
A adequação à nova lei, contudo, não se
apresenta de difícil concretização. Em verdade, a cautela com Tecnologia da
Informação é observada pela grande parte dos varejistas. O que se faz
necessário, agora, é investir em técnicas sofisticadas de proteção de dados
contra hackers, evitar a prática de qualquer tipo de fraude, e agir com boa fé
em face das informações coletadas.
Como forma de facilitar a vigência da lei, o
próprio legislador tratou de indicar a adoção de um novo cargo nas empresas, na
função de Chefe de Proteção de Dados (DPO – Data Protection Officer), cujo
ofício exclusivo será o de incorporar à rotina da empresa as boas práticas em
relação à proteção de dados e atuar como canal de comunicação entre a empresa
varejista e as Autoridades de Proteção de Dados. A norma brasileira não foi
clara, porém, quanto a obrigatoriedade da criação deste cargo. Orienta-se, de
toda forma, que seja designado tal ofício à profissional capacitado para
gerenciamento de dados e segurança de informações.
Ainda há tempo para adequação à nova lei, que
ainda não entrou em vigor na parte de que cuida este texto. Publicada em agosto
de 2018, os seus artigos passarão a ser aplicados de forma irrestrita no
segundo semestre de 2020. Por ora, as políticas públicas de apoio a Lei Geral
de Proteção de Dados têm se mostrado insuficientes para garantir a eficácia imediata
da norma, sobretudo em razão da falta de estruturas oficiais de fiscalização.
Ou seja, a efetividade da lei pode não se fazer imediata. De toda sorte, a
adequação não exige a vigência da lei, e deve ser praticada como medida
preventiva, podendo ser facilmente promovida e efetivada pelos pela prática do
Compliance.
Marcelo Carvalho da Silva Mayo
Contencioso Cível Especializado |