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O futuro da Zona Franca de... Dubai?
26/11/2019

Muito se especula, e não é de agora, sobre as perspectivas para a Zona Franca de Manaus no “novo momento” que se vive na filosofia econômica em Brasília. Diante do labirinto interminável da complexidade de normas, pesada carga tributária, custos absurdos de operação, difícil logística e burocracia – ainda – crescente, o Brasil como um todo perde a cada dia competitividade até para os países vizinhos, como o Paraguai. Em meio a tudo isso, a Zona Franca de Manaus quase lembra um oásis, oferecendo uma perspectiva mais amigável ao empreendedor com incentivos fiscais que tornam operar a partir de Manaus mais competitivo do que em outros pontos do território nacional.

Naturalmente, nasce o receio de que o fruto da simplificação das normas e da redução do peso do Estado torne progressivamente menos vantajoso sediar operações na ZFM até que se chegue num ponto no qual a região perca sua atratividade aos negócios. Do outro lado, porém, discursos rancorosos com a ZFM se acumulam, tomam a mídia e desdenham dos resultados obtidos pelo modelo e sua importância no cenário nacional.

Que a hipocrisia proposital e o devaneio “antiZFM” existem, ninguém nega. Há ânsia por certos entes em ver o modelo amazônico ruir em prol de suas egoístas visões de que apenas em suas próprias terras devem estar todos os agentes econômicos. Com essa realidade o Amazonas teve que conviver, praticamente, desde o nascimento da ZFM – e, arrisco, assim será enquanto existir o modelo ou qualquer que seja seu sucessor.

Contudo, a noção de que todo e qualquer plano acerca do futuro da região, seja ele com uma postergação ad eternum dos incentivos fiscais, seja ele com a implementação de um novo modelo diverso do atual, é enviesado e contaminado com as más intenções única e exclusivamente pela proposição de alternativas, não colabora em nada com o futuro da região.

Premissa: a ZFM tem data de validade, seja porque previsto pela Constituição, seja porque a dinâmica global do comércio e das relações econômicas impõe a todos a necessidade de constante reinvenção e modernização. Todos bem sabem que o mundo gira e não somos nós os que ditam a velocidade, mas sim o resultado das interações de todos os sujeitos do planeta. É pelo sistema de livre mercado e pelas interfaces econômicas, somados à inventividade humana e a constante demanda por inovações, que a sobrevivência de mercado é pautada. Vida eterna, sob esse prisma, não é garantia; é, concretamente, promessa de perdição.

O fato de a Carta Magna brasileira determinar a vigência das características da ZFM até 2073 não desincumbe o ônus dessa postura de “sobrevivencialismo econômico”. Planejamento, estabilidade, segurança jurídica, perspectiva de crescimento são mais do que jargões tipicamente associados aos negócios: são condicionantes para tanto - e permanecer à deriva na expectativa da postergação de um regime de incentivos parece ir na contramão.

Trata-se, é claro, de um grande chamariz em relação ao resto do País. Não à toa faz-se tanta referência às “vantagens comparativas”. Contudo, a abertura de mercado do Brasil, a modernização da legislação tributária e até mesmo qualquer perspectiva de redução de tributos incidentes sobre as atividades produtivas costumam gerar o (justo) receio diante da inércia e da abnegação reincidentes dos governantes. A ZFM sempre foi boa para garantir votos em troca da promessa da proteção e da continuidade. Mas que continuidade se oferece a um modelo que dia após dia carece de sustentação real?

Alguém duvida de que, para o futuro do modelo, a interligação de Manaus ao resto do País via ferrovias e rodovias – alô, Transamazônica, é com você mesmo! - seja crucial? A modernização dos portos regionais e o estabelecimento de uma infraestrutura hidroviária? Até mesmo a apresentação institucional da ZFM fora do Brasil, literalmente visando “vender” o modelo a possíveis investidores? E o que dizer da eterna disputa sobre os Processos Produtivos Básicos – PPB?

A lista é longa e comporta muitos outros itens. Mas embora muito repetida, poucas vezes é posta como, efetivamente, uma evidência de que o modelo ZFM não sobrevive apenas de garantias legais para impostos mais baratos. De que adianta o oásis se for uma miragem?

Até o momento, só o que se sabe de fato é que, pela Constituição, a Zona Franca está preservada até 2073, com ou sem reforma tributária. Impostos vem e impostos vão, mas o que diz a CFRB é que a ZFM deve ser mantida com as suas características “de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais”.

Entra, justamente, a perspectiva de novas formas de desenvolver a região, seja através do fortalecimento do modelo atual, seja por sua gradual substituição.

Aparentemente, temos problemas com qualquer um dos dois.

Aos que anseiam pelo fim da ZFM e do que quer que seja que a suceda, aparentemente incentivos fiscais ou zonas especiais não são toleráveis. Situação parecida com a dos norte-americanos, que certamente também odeiam áreas de livre comércio ao ponto de terem 293 (duzentas e noventa e três) espalhadas pelos Estados Unidos. Ou talvez com a dos chineses, que repelem com veemência modelos regionais de incentivos ao ponto de terem 11 em três áreas diferentes do país.

Japão? Possui três. Hong Kong? É, inteiramente, uma Zona Franca em si. Emirados Árabes Unidos? Bom, que o diga Dubai.

Aliás, Dubai entra na conversa de forma interessante, pois é justamente o nome de uma das propostas de “sucessão” da ZFM. É que, há tempos, ponderava-se nos Emirados Árabes Unidos o que aconteceria com o fim das reservas de petróleo e qual seria a “próxima página” da História regional.

Racionalmente, desenvolveu-se uma estratégia que converteria Dubai em um grande polo turístico e financeiro capaz de desenvolver a economia, removendo a dependência das receitas da exploração do petróleo.

O resultado? Hoje, o petróleo responde por apenas 6% do PIB do emirado, enquanto construção civil e comércio somam quase 40% de toda a riqueza de Dubai.

Para Manaus, basicamente, o que se defende é, a partir de 2073, com o fim da atual vigência do regime de incentivos, a instauração de uma nova rodada de incentivos em cinco áreas macro: biofármacos, turismo, defesa, mineração e piscicultura. Esses setores corresponderiam pela “nova era” da região através de um plano de incentivos que buscaria, no mínimo, a substituição da atual riqueza gerada pela ZFM por esse novo modelo – cerca de R$ 25 bilhões ao ano.

A busca se dá através da tentativa de potencializar as vocações da região, um pleito, inclusive, já muito antigo. Em pleno 2019, é inexplicável que as riquezas naturais da Amazônia não sejam estudadas e exploradas em um modelo sustentável e que, ao mesmo tempo, mantenha a floresta em pé e gere frutos benéficos à sociedade local e a todo o Brasil.

Porém, exatamente sob risco de botar tudo a perder antes mesmo de podermos sonhar, o atual leque de incentivos da ZFM não pode começar a desmoronar. Mesmo que pensada a sua continuidade até 2073 com a única finalidade de abastecer a transição para o “Plano Dubai”, a Zona Franca hoje é a principal razão pela qual estrangeiros podem, hipocritamente, querer opinar sobre o futuro da Amazônia após passarem séculos usando e abusando de seus próprios recursos naturais. O fato de o Amazonas possuir um percentual tão avassalador de floresta preservada vem, exatamente, de sua matriz econômica se pauta no regime ZFM e no polo industrial localizado em Manaus.

Nesse entretempo, portanto, a tarefa da sociedade amazonense, do empresariado regional e dos representantes eleitos é, justamente, trabalhar junto a Brasília para fazer cessar a onda contrária à ZFM. Revitalizar o regramento e a dinâmica dos PPBs é crucial, assim como garantir o cumprimento da promessa de conclusão e asfaltamento da BR-230, fazer com que Manaus passe ilesa pela reforma tributária, dentre outras medidas que garantam a sobrevida ao modelo. Acima de tudo, porém, é saber que a ZFM precisa também se reinventar, adequando-se aos novos tempos e a um novo cenário econômico para que possa manter sua posição de competitividade e buscar alçar voos mais altos.

O potencial é imenso. Como recentemente muito bem provou a FGV em um estudo inédito e altamente esclarecedor sobre a Zona Franca de Manaus, hoje muitos criticam o modelo devido ao seu “peso fiscal”, porém ignoram o fato de que, sem a ZFM, sequer haveria arrecadação na região. O desenvolvimento aqui alcançando decorre, de fato, da presença do modelo de incentivos, que foi responsável pela construção de uma forte área industrial que gera inúmeros benefícios em escala regional e nacional.

O porto de lenha, realmente, nunca será Liverpool. Mas talvez seja Dubai, ou muito mais.


Victor Bastos da Costa
Advogado | Estratégico Tributário
OAB/AM 11.123